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Quatro vícios prejudiciais para a leitura bíblica

Desde criança fui instruído quanto à necessidade de ler a Bíblia com regularidade; de preferência, ler a Bíblia toda a cada ano. Quem já não ouviu falar nos planos de leitura da Bíblia em um ano? Há uma variedade enorme de possibilidades. Há muitos benefícios que podemos colher desses planos. Entretanto, há também alguns vícios que acabamos desenvolvendo inconscientemente ao longo do tempo, os quais prejudicam profundamente a compreensão do que lemos na Bíblia. Eis alguns desses vícios:

1º vício: Fracionamento da leitura

Em uma análise geral sobre os mais diversos métodos de leitura bíblica anual, a primeira impressão que fica é a tentativa de distribuir a leitura dentro da nossa rotina diária. Quando ouvimos uma música, não fracionamos parte dela para ouvir em duas etapas; geralmente gostamos de ouvir cada música até ao fim, se não pudermos ouvir o álbum completo de uma só vez. Quando assistimos a um filme, não o fracionamos em quatro porções iguais, intercalando partes do final com partes do início. Por que, então, fazemos isso com a nossa leitura bíblica? Esse vício provoca em nós a ilusão de que não há um enredo, uma história que se desenvolve ao longo dos livros.

2º vício: Guia completo da vida cristã

Com o desejo de tornar a Bíblia mais atrativa para os que são novos na fé, muitos líderes ou denominações preferem se referir a ela como “o guia completo para a vida cristã”, “o guia completo para conhecer a Deus”, “a enciclopédia que trata de TUDO o que queremos saber”, etc. O que há de errado com isso? Como isso pode prejudicar nossa leitura bíblica? O problema com essa abordagem é que ela promove uma motivação errada para lermos a Bíblia. Se somos treinados a olhar para ela como uma enciclopédia ou um guia de informações, nossa necessidade determinará o trecho que iremos ler. Ou seja, se tenho dúvidas sobre o modo e a frequência em que devo orar, consulto a Bíblia nos lugares onde ela trata sobre esse assunto. Se preciso responder a um amigo sobre o batismo infantil, o dízimo, a disciplina eclesiástica ou a segunda vinda de Cristo, consulto a Bíblia.

Alguém lendo este texto pode pensar: “Eu ainda não consigo ver o que há de errado com isso!” Eu vou lhe dizer o que há de errado com isso. A Bíblia não é uma enciclopédia e nem um guia, mas uma mensagem de Deus para o ser humano. Ou, se preferir, pense nela como uma longa série de televisão: uma história apresentada em diversos episódios. Nesse caso, não assistimos a alguns episódios aleatórios para tentar aprender a decorar nossa casa como a casa de um personagem da série. Assistimos à série do começo ao fim para entender a história e depois julgar se gostamos ou não. Veja, então, que a ideia de guia/enciclopédia distorce a verdadeira motivação e necessidade para lermos a mensagem que Deus nos deixou nas páginas da Bíblia.

3º vício: Compartilhar capítulo-versículo

Quando somos criados numa tradição que promove a leitura da Bíblia nos moldes da “enciclopédia de assuntos”, acabamos nos acostumando com o sistema das versões modernas da Bíblia que utiliza a divisão do texto em capítulos e versículos. Mesmo que os manuscritos mais antigos do Antigo e Novo Testamentos já tivessem marcações, auxiliando a divisão do texto em partes menores, o sistema de capítulo/versículo, como conhecemos hoje, é bem mais específico. Esse sistema foi desenvolvido por Stephen Langton, por volta do ano 1200. Seu método foi lentamente sendo utilizado em versões da Bíblia em várias línguas. Todavia, o ponto que desejo frisar é o seguinte: Alguns crentes têm o vício de compartilhar a mensagem de Deus no formato capítulo/versículo.

Imagine se alguém lhe perguntar no ambiente de trabalho: “Por que eu preciso me converter à sua igreja? Eu já conheço os mandamentos e os obedeço”, e a sua resposta fosse: “Mateus 19.16-22!”. Não seria mais eficiente dizer: “olha, uma vez um rapaz estava andando na rua e se encontrou com Jesus e fez essa mesma pergunta que você está me fazendo”? Não fale qual foi a resposta; deixa a pessoa perguntar. Veja que a comunicação não formatada nos moldes capítulo/versículo é mais efetiva para transmitir uma mensagem.

Precisamos redescobrir o prazer de ler a mensagem que Deus nos deixou por meio da Bíblia do mesmo modo em que ela foi contada, ou seja, com histórias, orações, cânticos, parábolas, provérbios, cartas, lamentações, etc.

4º vício: interpretar ao invés de obedecer.

Eu não sei o porquê, mas pessoas que já têm muito tempo de igreja desenvolvem o vício de querer interpretar tudo o que leem e ouvem, como se essa fosse a única finalidade de um texto ou de um sermão. Textos são escritos porque alguém teve a intensão e, no caso de Deus, o amor de passar-nos uma informação a que jamais teríamos acesso. Imagine se você estivesse ansiosamente aguardando notícias de um parente que sofreu um acidente numa cidade distante. Você nem sabe se ele sobreviveu ao acidente. Quando alguém que esteve no local resolve lhe enviar uma mensagem via WhatsApp relatando o que aconteceu, será que você gastaria a maior parte do tempo tentando entender o motivo de tantos erros de português? Aliás, com os teclados inteligentes dos celulares que tentam “adivinhar” o que queremos dizer, não é raro deixarmos escapar palavras completamente fora do contexto.

Por que digo isso? Há muitas pessoas que se sentem desencorajadas para a leitura da Bíblia porque não conseguem interpretar tudo o que está sendo dito. Há também aquelas que se escondem atrás dessa “incapacidade de interpretar” para não se ver na obrigação de obedecer ao que foi dito. O problema é que o processo de interpretação e análise do texto pode se arrastar por muito tempo. Quando isso acontece, as pessoas tendem a se sentir com o dever cumprido pelo simples fato de tentar interpretar o que foi dito.

Sem dúvida, há temas difíceis de entender na Bíblia. Prevendo isso, Deus não deixou que sua mensagem fosse muito abreviada ao ponto de depender somente de temas difíceis. A mesma verdade é afirmada várias vezes, de diversas maneiras e fazendo uso de estilos literários diferentes. O próprio Jesus, quando tinha que explicar algo complexo como “O que fazer para herdar a vida eterna”, respondia com uma parábola. Em resumo, interpretar não é a mesma coisa que obedecer. A Bíblia não foi escrita para ser apenas interpretada, mas, principalmente, obedecida. Se precisarmos interpretar alguns pontos para tornar a mensagem mais clara, ótimo. Todavia, não podemos tornar isso um ciclo vicioso que nos dê a falsa impressão de dever cumprido.


Fonte: danielsantosjr.com

Published inBíblia