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Capítulo 3: Depravação – total, universal e inerente

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Depravação é uma palavra que descreve o estado ou disposição do homem, considerado um ser moral. Ser moral é alguém responsável diante de Deus por seus pensamentos, fala e conduta. Depravação significa a corrupção moral da natureza humana. Refere-se ao estado de pecaminosidade natural do não regenerado.

Depravação é o oposto do que a lei de Deus requer. O resumo da lei divina é amar a Deus e ao próximo. Mateus 22:37-39. Paulo diz que amar é cumprir a lei. Romanos 13:8-10. Depravação consiste, então, da falta do amor exigido por Deus e estabelecer outro objeto ou objetos nas afeições humanas. E tudo aquilo que se coloca em competição com Deus pode ser reduzido a um só – o eu. Auto-amor particular, à exclusão do amor supremo de Deus e amor igual aos homens é a própria raiz da depravação. A vontade própria, a auto-admiração e a justiça própria são apenas manifestações diferentes da depravação.

Depravação é o estado da natureza que faz o homem colocar o eu no lugar de Deus e a buscar a auto-satisfação, honra e interesse como o fim supremo de todas as suas ações. Cada ser moral deve viver e agir para o bem maior, o qual é a glória de Deus. Depravação é a corrupção da natureza que leva os homens a agirem para a própria glória. A própria essência do pecado é o egoísmo. A Bíblia muitas vezes emprega a palavra carne, a fim de designar a natureza corrupta do homem. Veja Romanos 7:18 e 8:1-13, Filipenses 3:3, João 1:13 e 6:63.

Quando Paulo descreve os homens com uma variedade de características más, o primeiro elo da corrente é: “amantes de si mesmos”. 2 Timóteo 3:2. Este amor exclusivo do eu é a fonte da depravação, da qual fluem todos os maus pensamentos e ações. É o ventre do qual nascem todos os meios pecaminosos. É a incubadora na qual são chocadas as más invenções.

A depravação é total e atinge a todas as disposições da alma. É universal, atingindo a todos os homens pela natureza. É inerente também. Com isso queremos dizer que é o resultado do pecado original, transmitido pela geração natural ou nascimento físico.

DEPRAVAÇÃO TOTAL

Depravação total significa que o homem é depravado ou corrupto em todos os aspectos do seu ser. Não é uma questão de grau, mas sim de extensão. Não significa que qualquer homem seja tão mau quanto possa se tornar ou tão mau quanto Satanás. Contudo, o mal em potencial é quase o mesmo em cada homem. A Bíblia diz que não há diferença, “pois todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Romanos 3:23. Se não pecamos tanto quanto os outros é por causa da graça de Deus que nos restringe e não por haver algum bom em nossa natureza. Quando Jesus disse: “Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias” (Mateus 15:19), Ele não estava descrevendo um coração em particular, mas sim o coração de cada homem. John Bradford, um mártir, certa vez observou os oficiais levando um criminoso até o lugar da execução, e comentou: “Lá vai John Bradford, se não fosse a graça de Deus”. O ato da transgressão é somente uma parte mínima do pecado. Oito nonos de um iceberg ficam sob a superfície do mar. E, potencialmente, há mais pecado em cada um de nós do que aparece na superfície, numa transgressão real.

Existem graus na depravação. Todos os homens não são iguais no grau ou quantidade de pecado. Pingue uma gota de arsênico num copo de água e ela será totalmente afetada. Cada gota da água fica envenenada. Se colocar mais uma gota de arsênico, o veneno não alcança mais da água, mas se intensificará. O Veneno não vai ficar em mais partes da água, porque já está em toda parte, mas cada gota de veneno dará um grau maior. O mesmo acontece com o homem, que é o filho da ira por natureza (Efésios 2:3), o qual pode se tornar mais depravado.

O homem natural não é depravado em partes, mas no todo do seu ser. A mente carnal é inimizade contra Deus (Romanos 8:7); e o coração é “enganoso…, mais do que todas as coisas, e perverso” (Jeremias 17:9, Mateus 15:19); a vontade humana está presa ao pecado (João 5:40 e 6:44, Filipenses 2:13). A vontade humana não é melhor do que a mente e o coração que a controlam. O homem escolhe o que faz, por causa do estado de sua mente e coração.

A depravação total significa que o homem, como resultado do pecado original, está morto moral ou espiritualmente. E morto, como adjetivo, não admite comparação. Não há grau de morte; mas há grau na morte. Diante de nós está um morto. Há um dia que está morto. Ele está morto totalmente em todas as partes físicas. Eis outro morto. Ele está morto há uma semana. Ele não está mais morto do que o outro, mas o corpo se encontra em uma condição pior. A Bíblia apresenta o homem natural como um corpo morto moral ou espiritual. Vemos uma moça, dezesseis anos, linda, alegre e charmosa. Ela não entende nada da vida de um prostíbulo. Mas essa moça, sem Cristo, está morta moral ou espiritualmente! Ela não tem amor a Deus nem ao próximo. Sua natureza depravada se manifesta na ostentação do que veste, no orgulho da beleza, na desobediência aos pais, na falta de interesse pela palavra de Deus e rejeição ao Senhor Jesus Cristo. Eis outro morto moral. É uma mulher do prostíbulo; sua virtude se foi. Acha-se abandonada a uma vida de pecado e vergonha. Bebe, diz palavrão, fuma, mente, rouba e destrói lares. Porém, não está mais morta do que a de dezesseis anos, mas na morte moral se encontra numa condição pior.

A morte não significa que o homem não existe como ser moral. A morte não significa extinção do ser, mas um estado ou condição do ser. O homem sem ser regenerado realiza ações morais, porém elas são más. Roubo, homicídio e mentira são todos atos de um ser moral, porém são atos maus.

DEPRAVAÇÃO UNIVERSAL

A depravação universal significa que todos os homens são depravados. Cada homem, sem a graça que Deus opera no pecador, não tem o que a lei de Deus requer. Ele não ama a Deus nem ao próximo como a si mesmo. Só os que nasceram de novo amam a Deus (1 João 4:7); entendem as coisas de Deus (1 Coríntios 2:14, João 3:3, 2 Coríntios 4:4); crêem no Senhor Jesus Cristo (1 João 5:1) e praticam a justiça (1 João 2:29).

Na época de Noé “a maldade se multiplicara sobre a terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente”. Gênesis 6:5. Diz-se da época de Davi: “Não há quem faça o bem, não há sequer um”. Salmo 14:3. E Paulo cita este versículo de Davi e o aplica ao povo de sua época. Romanos 3:10. O único homem livre de corrupção da natureza desde que o primeiro Adão pecou foi o Senhor Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus e Seu nascimento não foi de acordo com a lei da geração natural. Negar o nascimento virginal de Jesus de Nazaré é fazer dEle um pecador. E quem quer confiar num pecador como Salvador?

DEPRAVAÇÃO INERENTE

A depravação da natureza é transmitida a todos os homens pela geração natural. Como “fulano gerou beltrano”; isto é, quem nasce da carne é carne e a mente carnal odeia Deus.

A aparência bem cedo do pecado na criança é prova de que a depravação da natureza é herdada. O primeiro ato que descobre a razão na criança já tem pecado. Observe uma criança, quando a razão começa a manifestar-se e ela se expressará fazendo o mal aos outros, ou mentindo, ou exibindo o orgulho ou pela inclinação natural de se vingar. Todos os pais já aquietaram os filhinhos que estavam batendo naquilo que os machucou ou ofendeu, não foi? Uma criança pequenina, no início da razão, manifesta um espírito de vingança em relação aos outros e aversão a Deus.

No diário de Andrew Fuller, no dia 8 de janeiro de 1785, está escrito: “Fiquei muito agitado hoje, ao ouvir minha filhinha dizer: Como domingo chega rápido! Senti-me triste ao ver a aversão que o coração carnal tem por Deus, mostrando-se tão cedo assim”.

A depravação inerente é vista no fato que a criança peca sem que ninguém a ensine. “Mas a criança entregue a si mesma, envergonha a sua mãe”. Provérbios 29:15. Deixe apenas uma criança agir naturalmente e ela envergonhará a sua mãe. Temos que ser ensinados a fazer aquilo que não é natural. Pegue uma pessoa que nunca foi ensinada a nadar, jogue-a em águas profundas e ela afundará. Mas pegue o cavalo ou outro animal e faça o mesmo. Ele vai nadar, porque a natureza o ensinou. O homem peca naturalmente, mas tem que ser ensinado a fazer o bem.

A depravação inerente é ensinada de maneira direta em muitos versículos bíblicos. “Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”. Salmo 51:5. Davi não reflete sobre a virtude da mãe; ele confessa a natureza pecaminosa recebida no nascimento. “Alienam-se os ímpios desde a madre; andam errados desde que nasceram, falando mentiras”. Salmo 58:3. Em Efésios 2:3 lemos que “éramos por natureza filhos da ira”. Em Romanos 9:8, a Bíblia nos diz que os filhos da carne não são os filhos de Deus, e se não são filhos de Deus, são filho da ira, filhos da desobediência, filhos de Satanás.

A Bíblia, que ensina a necessidade do novo nascimento, prova que a depravação é total, universal e inerente. A regeneração não é de partes, mas de pessoas; o ser psíquico completo tem que nascer de novo. E cada homem precisa do novo nascimento, porque se não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. João 3:3. Se a depravação não fosse hereditária, o novo nascimento não seria necessário; o treinamento e a educação levariam uma pessoa para o reino de Deus. Se houvesse uma faísca de bondade que pudesse se transformar em chama, não seria necessário um nascimento do alto para a salvação.

ILUSTRAÇÃO

O seguinte incidente vai ilustrar a verdade sobre a depravação. Os tripulantes de um navio se amotinaram, prenderam os oficiais e tomaram o comando do navio. Vão até um porto distante, vendem a carga e dividem o dinheiro entre si. Mas, enquanto viajam, vêem que é necessário, para a auto-preservação, estabelecer algum tipo de lei que os governe em seu relacionamento uns com os outros. A estas leis eles aderem pontualmente, agindo com justiça uns com os outros. E concordam numa distribuição imparcial dos saques. Mas antes de chegarem ao porto, um dos tripulantes se arrepende e fica muito infeliz. Ele insiste que estão fazendo uma grande maldade. Pede que libertem os oficiais, implorem seu perdão e voltem a ficar sob seu comando. Os companheiros, porém, alegam sua justiça, honra e respeito uns pelos outros. Lembram que estão obedecendo às leis que fizeram e que há paz e harmonia entre eles. Porém o tripulante lhes diz que não há bem nenhum nisso; que tudo que estão fazendo de certo, é feito na busca de algo que viola a grande lei da justiça sendo, por isso mesmo, uma espécie de iniqüidade. Ele lhes mostra que estão cuidando do navio só por interesse egoísta e glória, e não no interesse do dono. Suplica que se arrependam dos maus intentos. Implora que libertem os oficiais e peçam clemência.

A aplicação desta parábola é fácil. Como marinheiros no navio da vida, a raça humana se amotinou bem no começo e cada um que nasce no navio se reúne à rebelião. Embora pareça que há lei e ordem, e algum respeito entre si, cada homem, sem a graça de Deus agindo nele, vive para si e não para Deus, o Criador e Dono de tudo. A necessidade de cada pessoa é se arrepender de seu pecado em relação a Deus, rendendo-se a Ele e esperando misericórdia através do sangue de Seu Filho. Que tanto o escritor quanto o leitor possam odiar-se pelo que eram por natureza e se regozijem no que são pela graça maravilhosa de Deus!

Published inDefinição de doutrina – Volume 2