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Capítulo 22: A longanimidade de Deus

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O estudo mais impressionante e grandioso feito pelo homem é o da Divindade. A contemplação das perfeições divinas aquecerá as profundezas do coração, contanto que sejamos, naturalmente filhos Seus, nascidos do Seu Espírito. Deus é uma Pessoa perfeitamente equilibrada. Todos os Seus atributos operam harmoniosamente para o louvor de Sua glória. Cada um de nós, por causa do pecado, é de uma maneira ou de outra desequilibrado. Por natureza somos semelhantes ao filho pródigo que teve que tornar a si, antes que dissesse: “Levantar-me-ei e irei a casa de meu Pai”. O pecado é uma forma de insanidade. Na conversão recebemos uma mente sã. Todos os atributos divinos são perfeitamente harmoniosos, fazendo dEle o grande e glorioso ser que é e sempre será. Deus é tão grande que só podemos estudar uma de Suas perfeições ou atributos de cada vez.

Deus não pode ser achado pela busca humana. Pode-se atravessar os céus límpidos e subir às alturas desconhecidas, mas não encontrará a Deus que “estende os céus como cortina”. Isaías 40:22.

Pode-se viajar pelos mares todos e rodear o globo sem encontrar Aquele que se assenta sobre o globo da terra e que mediu as águas na palma de Sua mão. Pode-se estudar as flores e os insetos e ainda ser ignorante do Deus que os criou. Pode-se levar amostras de Suas obras ao laboratório e examiná-las, sem vir a conhecer o Criador, aquele que sendo conhecido é vida eterna. Deus não pode ser encontrado através dos sentidos físicos.

Todas as obras de Deus testemunham de Sua existência, mas nada dizem de Seu caráter nem perfeições morais. Suas obras nos dizem que Ele é (existe), mas nada dizem do que Ele é. Deus, em Seu caráter, só pode ser encontrado onde Ele já se revelou, isto é na Sua Palavra, a Bíblia. Os céus declaram Sua glória e o firmamento mostra a obra de Suas mãos, mas não falam dEle como legislador moral. No estudo do que a Bíblia diz a respeito dEle, vemos que o atributo da paciência ou longanimidade pertence à Sua natureza.

DEUS SE REVELOU A MOISÉS

Quando Deus deu as tábuas da lei a Moisés pela segunda vez, Ele desceu sobre o monte e proclamou o Seu nome, isto é, Ele descreveu Seu caráter no governo moral. Foi isto o que Deus disse a Moisés: “O Senhor, o Senhor Deus, misericordioso e piedoso, tardio em irar-se e grande em beneficência e verdade”. Êxodo 34:6. Deus não Se revelou em forma física, antes revelou Suas perfeições como Espírito. Quando Israel pecou ao murmurar contra Deus, e Deus ameaçou exterminá-lo e fazer de Moisés uma nação maior, Moisés como mediador típico, rogou pelo caráter de Deus que lhe fora revelado no monte. Foi isto o que Moisés disse a Deus: “Agora, pois, rogo-te que a força do meu Senhor se engrandeça, como tens falado, dizendo: O Senhor é longânimo, e grande em misericórdia”. Números 14:17-18. Deus como governante moral é paciente ou longânimo.

LONGANIMIDADE

A longanimidade de Deus é uma qualidade da natureza divina que O faz tardio ao tratar com Seus inimigos. Deus não tem um ataque de ira quando provocado. A palavra hebraica, que às vezes é traduzido como “longânimo” ou às vezes “tardio em se irar,” significa literalmente “com nariz longo” ou “respirar”. Ira é indicada pela respiração rápida e violenta pelas narinas e o oposto é a longanimidade ou tardio em irar-se. Um touro bufante é um emblema de ira colérica. Mas Deus não Se assemelha a um touro, pronto a atacar, na obra do julgamento. Deus não Se apressa a punir Seus adversários. Ele não é como um ditador cruel e nervoso, impaciente para ver Seus inimigos mortos ao romper do dia. Deus é paciente com os rebeldes e esta paciência pertence a Sua natureza. Uma redenção geral ou universal não é necessária para acertar as contas pela longa demora da punição duma raça perversa e rebelde. O diabo, como também o homem, desprezou a Deus em todos os tempos, e ainda continua a desprezá-lO, não porque Cristo morreu pelo diabo, mas porque Deus é longânimo. Deus está esperando julgar, não quando Sua paciência Se esgotar, mas quando o cálice da iniqüidade do mundo se encher. A hora do julgamento fica por conta da Sua vontade e não depende de maneira alguma da Sua paciência. Ele é infinito em paciência e o julgamento não será um ato de impaciência, mas de severa justiça.

O PODER DO AUTOCONTROLE

A longanimidade pode ser definida como o poder divino do autocontrole. Era isto que Moisés queria dizer com as palavras: “que a força do meu Senhor se engrandeça, como tens falado, dizendo: ‘O Senhor é longânimo'”. O grande poder de Deus é visto não somente ao controlar de Suas criaturas, mas a Si mesmo também. Deus não é rápido para Se irar; Ele não perde a cabeça. Ele tem pose perfeita e equilibrada. Ele não conhece a impaciência. Sua justiça, certamente é implacável, mas Ele não tem pressa em julgar Seus inimigos. Ele espera em perfeita paciência para vingar Sua honra e satisfazer Sua justiça. A. W. Pink diz: “A paciência divina é o poder que Deus exerce sobre Si mesmo, fazendo-O a suportar os perversos e demorar a puni-los”. E Charnock, um dos mais nobres puritanos, disse: “Os grandes homens ao mundo são ligeiros em se irar, e não tão prontos a perdoar uma injúria, nem suportar um ofensor, como a um de nível mais perverso. É o desejo de poder sobre si próprio que faz o homem agir de modo inconveniente quando provocado. Um príncipe que controla a si mesmo é rei sobre si mesmo como também de seus súditos. Deus é tardio em Se irar por causa da grandeza de Seu poder. Ele tem tanto poder sobre Si mesmo quanto sobre Suas criaturas”.

ILUSTRAÇÕES

Há muitas ilustrações sobre a paciência divina na história bíblica como também na observação dos acontecimentos em geral. A paciência de Deus já foi observada através de séculos de rebelião satânica e humana.

1. No tempo de Noé, a longanimidade de Deus foi grande. Lemos que a paciência de Deus esperou nos dias de Noé. 1 Pedro 3:20. Aqueles foram dias de perversidade, mas Deus foi tardio em puni-los. Mesmo após ter anunciado Seu plano de destruição do mundo, Ele esperou cento e vinte anos para cumprir Seu propósito de mandar o dilúvio. Aqueles eram dias quando a imoralidade sexual reinava; dias quando as ameaças divinas eram ignoradas; dias de zombaria ao pregador da justiça de Deus; mesmo assim Deus esperou para puni-los, pois Ele é o Deus paciente.

2. O período inteiro da época do Velho Testamento foi um tempo de longanimidade divina. Em Romanos 3:25, vemos que os pecados desse período foram remidos sob a paciência de Deus. Os pecados dos salvos do Velho Testamento foram tolerados até que Cristo viesse pagar pelos mesmos. Deus não puniu os pecados deles, pois estava esperando puni-los na pessoa de Cristo. Os pecados deles foram remidos antes de serem pagos. Foi assim: Cristo, na eternidade passada, tornou-Se o penhor daqueles que Lhe foram dados pelo Pai no concerto eterno, concordando em assumir a natureza humana, pagar seus débitos, satisfazendo assim a justiça divina pelos seus pecados. Isto foi anunciado imediatamente após a queda do homem. Gênesis 3:15. Mas passaram-se quatro mil anos antes da plenitude dos tempos, quando, Cristo, o penhor de um testamento melhor, viesse para obter a redenção das transgressões que se encontravam debaixo do primeiro concerto (testamento). Hebreus 9:15. E todo este tempo intermediário foi de paciência ou longanimidade. Deus não Se irou de maneira a executar o julgamento sobre os pecadores, pois isto reservara para o Seu Filho, o penhor. E enquanto esperava pela vinda do penhor para a satisfação da justiça, Ele ordenou os sacrifícios de animais, que não podiam satisfazer a justiça nem remir o pecado.

3. O tratar de Deus com Faraó é outro exemplo de Sua longanimidade. Paulo defende Deus contra críticas em seu tratar com Faraó quando diz: “E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição”. Romanos 9:22 . A vontade divina a que se refere esta passagem é a de propósito. A vontade divina de propósito, em relação aos vasos da ira, tem a finalidade de demonstrar Sua ira e poder no julgamento dos mesmos, mas em longanimidade Ele os tolera até que pelos Seus próprios pecados sejam merecedores da destruição.

“Quantas vezes os homens se surpreendem pelo fato de Deus tolerar tanto mal quanto existe no mundo. Porque Deus não corta duma vez aos transgressores? A resposta é que Ele os suporta para a Sua própria glória e Ele será glorificado na condenação destes. Aos mortais, que sofrem de miopia, parece que seria melhor se Deus cortasse na infância os que pela Sua previsão visse como continuadores na iniqüidade. Mas Deus os suporta mesmo até a velhice e mesmo até aos limites extremos da iniqüidade para a honra e glória de Seu nome”. Robert Haldane.

4. O tratar de Deus com Paulo demonstra Sua paciência com os “vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou”. Romanos 9:23. Paulo mesmo nos explica tal fato: “Mas por isso alcancei misericórdia, para que em mim, que sou o principal, Jesus Cristo mostrasse toda a sua longanimidade, para exemplo dos que haviam de crer nele para a vida eterna”. 1 Timóteo 1:16. Dentre todos os judeus incrédulos, a conversão de Saulo de Tarso parecia ser a menos provável, pois antes era blasfemador, perseguidor e injurioso. 1 Timóteo 1:13. Mas no propósito divino ele era um vaso de misericórdia dantes preparado para glória, e no tratar com o mesmo Deus nos dá um padrão de Sua longanimidade.

E Pedro estava pensando nestes vasos de misericórdia quando explicou a demora do retorno do Senhor. Ele explica que não é por Deus relaxar em Sua promessa da segunda vinda, “mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se”. 2 Pedro 3:9. Mas certamente nesta referência é a Sua vontade de propósito que nenhum dos são chamados “nos” pereçam. O “nos” deste texto é o mesmo “amados” do versículo um e são distintos dos “escarnecedores” do versículo três. E o versículo quinze pondera esta interpretação: “E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor”. A longanimidade de Deus opera na salvação dos vasos de misericórdia. É assim: Nós que somos salvos, éramos por natureza filhos da ira, do mesmo modo que os outros, e precisávamos nos arrepender. Se Cristo houvesse retornado antes de nos arrependermos, teríamos perecido. Quando Ele retornar, o dia de salvação será findo, e começará o julgamento, e se Ele tivesse vindo cinco ou dez anos passados, muitos dos que agora são salvos teriam perecido em seus pecados e a vontade de Deus teria sido frustrada. Sabemos que isto não pode acontecer nunca.

A PACIÊNCIA DE DEUS É GRANDEMENTE MALTRATADA E ABUSADA

O exercício deste atributo leva os homens a pecarem com mais audácia. “Porquanto não se executa logo o juízo sobre a má obra, por isso o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto para fazer o mal”. Eclesiastes 8:11. Os homens confundem a paciência de Deus com a crença de Sua não existência. Pelo fato de pecarem e não serem imediatamente punidos, concluem que não existe um legislador moral a quem darão conta. Um fazendeiro pensava ter provado a não existência de Deus. Tomou certa porção de suas terras para uma experiência. Preparou o solo num domingo, plantou num domingo, todo o cultivo foi feito aos domingos e no primeiro domingo de outubro ele colheu uma ceifa maior desta porção de terra do que de todas as outras. O fazendeiro, então, escreveu ao editor dum jornal mandando os resultados da experiência, escarnecendo da idéia dum Deus. O editor respondeu com poucas palavras, mas acertadamente: “Lembre-se de que Deus não ajusta as contas no primeiro domingo de outubro”.

Bob Ingersol pensava ter demonstrado a não-existência de Deus dando cinco minutos contados para matá-lo. Quando um grande pregador da Inglaterra ouviu sobre isto, replicou: “Será que este senhor americano pensa em esgotar a paciência de Deus em cinco minutos”?

Se o crente não entender este atributo da longanimidade de Deus, ele ficará frustrado por Deus não esmiuçar nem exterminar tanta maldade quanto existe. Bendito seja o Seu nome! Certamente tudo isso acontecerá, mas Deus espera em Sua longanimidade pelo amadurecimento de Seus propósitos. Enquanto Ele espera, alguns se preparam para a justa destruição e outros por Sua graça, estão sendo modelados a serem vasos de glória. Em humildade e gratidão digamos como o poeta:

“Senhor, muito temos maltratado Teu amor, longo tempo passamos no pecado, nossos corações sangram em ver, com dor, quão rebeldes fomos”.

Published inDefinição de Doutrina -- Volume I